domingo, 11 de outubro de 2009

No consultório 2

Era um novo dia em minha vida, fazia alguns dias que os remédios já não aplacavam mais minha existência fragilizada pelo convívio social.
-Desespero - Eu dizia, mas não cogitava que coisas como um bocado de remédios seriam tão importantes assim. A noite parecia uma camarada fiel, nunca me desapontara nesses anos de parceria. Éramos dois insones que só conseguiam fechar os olhos quando o sol raiava no horizonte e mesmo assim eu continuava dizendo:
-Desespero!
Sabia que a situação atual era temporária, que não ficaria muito tempo por aqui sem ter que vender minha alma para a doutora. A essa altura da minha vida, nomes eram apenas designações sofisticadas. Algo tipo, milho verde ou milho amarelo, embora na minha humilde visão os dois fossem exatamente a mesma porcaria.
Tudo transcorreu perfeitamente distorcido, e o tempo era um mero híato entre o antes e o agora. Antes eu ficava em casa dopado, agora sento à sala de espera, esperando para ficar dopado.
Tempos modernos, eu não estou sozinho aqui. Tantos tipos de pessoa precisando de outras coisas, não uma consulta com uma farsante, que veste a carapuça da medicina para simplesmente oferecer remédios onde sequer há alguma mazela.
A lucidez me deixa em pane. E até os lírios da sala me encaram e em uma só voz falam o que já estou cansado de encarar.
-Desespero!
Eu tento não olhar para os lados, uma força que brota de todos os lugares e não chega em lugar nenhum. Ali estão eles esperando. Ah, quem espera mudança aqui? Quem espera que algum transtorno que nos torna único seja erradicado sem sequer deixar quaisquer vestígios!
Poderia repetir aqui um milhão de vezes:
-Eu não tenho problemas, apenas me dê uma porrada de remédios.
Mas sabemos que não é assim que funciona, algumas pessoas só funcionam com o teatrinho armado. Te analisam dos pés à cabeça procurando algum ponto em comum, ou algo do tipo conjunto intersecção. Nunca encontram nada, apenas o que já sabemos:
-Desespero.
Lembro uma vez, era bem criança, vagava pela biblioteca do meu colégio. Era uma tarde daquelas que tudo parecia dar errado, o sol brilhava fulgurando pequenas salamandras pelo céu.
O chão emanava ondas de calor que te faziam sentir em um grande micro-ondas, e tu suava feito um porco. Aquelas sensações me deixavam tonto ora porque eu não gostava do calor intenso, ora eram as outras crianças que me perguntavam coisas as quais não sabia a resposta, muito menos cogitava as encontrar. Eram tempos difícieis... fome, calor e a situação em si me deixavam transtornado. Naquela época eu achava que se conseguisse manter minha mente ocupada e se conseguisse ler todos os livros, me tornaria alguém que poderia ajudar a minha família e sobretudo principalmente ajudar a mim mesmo. Saindo daquela condição de miséria humana, social e intelectual. A família é algo sempre complicado e parece que o amor hoje em dia é demonstrado apenas pelo dinheiro ou alguma espécie de status social ou intelectual. Não sei aquilo modificou o que eu me tornei, nem sempre as dificuldades engrandecem a alma e na mesma proporção as facilidades. Fato que tudo tem um estopim, e o que importa?
Estou aqui às vesperas de uma nova consulta.
A porta lentamente vai se abrindo.
Digo mais uma vez:
-Desespero.




(pra quem não leu, ou esqueceu, aqui vai o link:)

http://leiturasdesenhadas.blogspot.com/2009/08/no-consultorio.html

Nenhum comentário: