domingo, 22 de novembro de 2009

Dead Letter

Carlos,


Eu sei que você nunca me escuta, sei que nunca lê minhas cartas. Essa é uma ultima tentativa, e na verdade não é nenhuma tentativa. Aqui eu fico, nervosa como sempre e extremamente irritada com esta sua conduta nojenta. Ah, você nunca liga, nunca se importa, nunca nada. Sentei agora a pouco nesta cadeira, sei que estava por aqui não faz muito tempo, e acendo um cigarro atrás do outro e como sempre você dizia "fumar mata". Devo dizer que você tem razão, mata! Mata o tempo que passava sentada aqui esperando quem nem sequer saiu e por muitas vezes jamais voltou. Mata, pois seu sangue é sujo, tem um gosto ralo e nenhum cigarro compara-se a esta vida que tenho. Essa miséria a qual devo agradece-lo por ter me proporcionado. Alguns longos anos colocados no fundo de uma lata velha e enferrujada de lixo! E em breve você fara companhia, aos meus cigarros fumados até o filtro, as minhas unhas que não paro de roer e até o papel que outrora escrevia cartas para você. Acabarão todos juntos. Bem enfiados em uma lata velha, carregadas por um lixeiro com a pele suada de tanto juntar sacos que nem sequer podem ser comparados à sua pessoa, pois são bem melhores e servem para algo.
Carlos, essa carta não é tão para você. Ela é para mim. Ela é para quem quiser ler. Estou muito cansada dessa exposição, de ser a "garotinha do papai" como me falava. É, algumas mudanças sutis não podemos reparar, mas as grandes mudanças até uma sombra pode perceber e a minha já tinha me alertado para isso. Há tanto indizível, não é? Aquelas noites que jamais voltarão, aqueles momentos que permacem estagnados em uma banheira cheia de água e gelo. Toda vez que me banho, lembro destes mero detalhes que sempre lhe passaram desapercebidos. Assim como agora, este último. Você jamais imaginaria que eu estaria aqui. Jamais! Me chamava de covarde, de fraca. Zombava da minha fragilidade que para mim era uma qualidade e para você foi um instrumento de impávida vileza. Agora, fumando meu último cigarro, já escuto as sirenes. Escuto, Carlos. Elas gritam e eu estou cagando para elas. Sigo fumando. Afinal é meu último cigarro. E vou finalizando minha última carta para você. Sei que não lerá, sei que nunca leu. E agora que estás morto no sofá com a faca que lhe dei de presente e nem sequer ouvi um "obrigado". Devo dizer que nunca lhe vi tão bonito, ah Carlos essa faca realmente caiu bem em você. Felizmente esta carta não será desperdiçada, afinal você está tão morto quanto me fez sentir antigamente. Obrigado por não existir e me sentir viva com você uma única vez. Agradeço por este momento.
As sirenes berram.

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