quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Sleeping awake

Resolvi começar a noite agora. Sento à mesa com aquela cara de babaca pretensioso que nada pretende. Espero não ser notado, às vezes cansa ser "diferente" e de certa forma nenhum contato irá me surpreender. O mais certo é que serei irritado ou acometido a problemas que não são meus e pessoas nada interessantes. São dez da noite e o que me dá um certo contentamento descontente é o quadrilátero de mármore, o qual chamamos de mesa. Café, esparramado, cinzas refletidas, contradizendo a limpidez reflexiva da mesa. Além do café,obviamente cigarros, mármore e seis tábuas mortuárias vazias à minha frente, há alguns idiotas atrás falando sobre futebol e a garçonete chamada...Deixa ver, Lilith fica bem para ela.
Pode-se dizer que ela é o fato mais interessante da noite. Tem uma aparência estranha, raramente sorri, veste-se com uma daquelas blusinhas pretas quase colada ao corpo com aquelas mangas compridas e gola até o pescoço. Há uma mórbida tristeza em seu olhar. Azul triste. Ponho-me a observá-la, mãos pequeninas e delicadas pintadas com um vermelho lágrima. A pele de uma palidez sem igual, está um pouco suja mas parece não se importar. Ela tem um quê de "lotte, ostenta na não direita uma aliança prateada. Desculpe minha ignorância mas não sei se é noiva ou casada. Tanto faz, ela não quer isso está escrito nos olhos dela. Parece um pouco distante no vai-e-vem das louças, percebe-se pela maneira a qual se locomove uma vontade extrema de sair daquela posição.
Lilith parece sorrir chorando e o contrário da mesma maneira, acendo um cigarro meus olhos perdem-se, não a desejo, mas sinto uma enorme curiosidade em saber o que jaz por trás daquele sorriso pernicioso.
Dizem que pensar demais faz mal e bem. O cérebro dilatado jamais conseguirá contrair-se, Einsten creio eu. Não entendo muito de física, mas entendo de físico. E o físico dela estranhemente começa a me atrair. Um misto de frieza com "I don't care", sempre atende os outros com desprezo. O que não notei com minha pessoa.
Quando se aproxima lança um olhar meio canto de olho, acho que compartilhamos da mesma curiosidade. Não sei! Mas a priori no campo das idéias...C'est parfait.
Carrego um livro em minha bolsa, aquelas da faculdade, hora perfeita para ler e tentar ignorá-la assim como todo o resto. Rimbaud sorri desesperado, eu começo a suar em desespero. Ela lava a louça, eu acendo outro cigarro. À medida que os versos avançam e meu francês não é lá de todo bom. As páginas tinham cheiro de papoula o café de fel.
Minhas entranhas vomitavam o que eu não conseguia entender. Ela nota, parece um daqueles seres oniscientes que percebem tudo ao seu redor. Não sei dizer, mas aparentemente isso faz parte de um mundo que não é meu:
O mundo feminino.
Virei a página, ela caminha em minha direção. Minhas mãos trêmulas agarram o livro como se fosse minha língua prestes a bifurcar-se entregando aquilo que com esforço guardo. Sua cintura balançava sistematicamente não rebolava, isso era vulgar. As suas mãos dirigiam-se ao cordão do avental como se fosse um movimento erotizado que em sã consciência nenhum mortal acharia atraente. Ela saca a caneta, olha para mim. Meu suor começa a ficar frio.

_Queres alguma coisa - Momento congelado, minha mente rompe o status quo da monotonia e pensa em todas as possibilidades semânticas para tal resposta, recobro-me.
_Um café - O meu charme é não ter jeito, sou tosco.
_Só Isso? - Sorri como uma bacante ensandecida.
_Não...Sente-se comigo!
_Sabes que não posso.
_Sei, por isso tenho certeza que irá sentar.
_Sou tão transparente assim?
_Talvez.
_Sento, se me responder algo.
_Ok, seja breve.
_Por que eu?
_Por que não?
_Não faz sentido!
_O que faz?
_Nessa hora você deve perguntar meu nome!
_Não perguntarei, já te dei um.
_Simpático da sua parte, qual?
_Lilith. - Ela sorri e coloca as mãos no cabelo.
_E o seu?
_Gabriel.
_O anjo? Você não tem cara de anjo.
_Gabriel é o anjo da morte.
_Estou com sorte então!
_Azar, diria.
_Por quê?
_Hoje é domingo.
_E o que que tem?
_Estou dormindo e tu nada mais é que minha imaginação.
_Então aproveite, ainda temos algumas horas...Ela sorri...

Acordo, mais um dia cretino pela frente.

Um comentário:

Fernanda Rodrigues Barros disse...

Interessantíssimo o desenlace. Mesmo o recurso da possibilidade do sonho sendo bem utilizado, durante toda a narrativa existe a verossimilhança entre as partes, entre o todo.