terça-feira, 4 de agosto de 2009

Nos confins da morte.

Do diario de Jurgen Chapelle.

12/09/54 -

O sol desaparecia lentamente ao horizonte. O crepusculo que formou-se era de um vermelho acinzentado. Entre a relva de prédios e carros barulhentos e milhares de pessoas caiu lentamente a escuridão. Os tempos eram estranhos, sentia-se a discrepância. Outrora a cidade era um lugar menos agitado. As torres que vigiavam o público funcionavam em plena forma. Agora só restavam as carcaças e um fraco farol amarelado. Há um tempo atrás eram cinco guardas. Nestes dias ficavam apenas um. Havia um rapaz ali, era novo.
Seus olhos grandes e arrendodados espiavam terror. Eram brilhantes e ao mesmo tempo tão escuros. A pele clara era tomada por uma pigmentação vermelho-cobre devido à exposição a nosso clima tão árido e poluído. Vestia um casaco preto de couro, tinham muitos bolsos e aparentemente os usava para guardar múltiplas coisas. A sua pequenina mão segurava um dispositivo de localização, servia para comunicar os outros vigias e ao mesmo tempo informar sua localização. Eram tempos dificeis. Faltavam três anos para a minha aposentadoria. E sabemos que quando chegamos ao final da vida, tudo parece perder o sentido. Era sexta-feira. Aquela noite especificamente era cinco de março. Aparentemente seria mais um dia na minha vida, e muito menos ainda na vida daquele rapaz. Quantas vezes ja me peguei pensando "Nada vai acontecer". Mas quando pensamos isso é talvez porque queiramos que algo aconteça ardentemente e nossos olhos ficam cobertos pela névoa de tédio. Assim nossa mente freia qualquer impulsivo, e seria isso que nos transformaria em meros rôbos. Ou em mortos-vivos. Meu turno era o da noite. Aquele jovem se chamava Tanathos. Irônia dos pais talvez. Se soubessem o que o destino reservava para ele talvez colocariam outro nome. Perseu, Dionisio, ou qualquer outro nome. Mas acabaram por decretar a maior irônia que já vi em toda minha vida. O menino que se transformou em homem. Virou homem e depois morte. Eu observava muito, este foi o primeiro dia que conheci o que hoje posso chamar morte.
O relógio marcava dez e vinte nove, eu recém chegava para a troca de turno. Os anos mostraram que para ter um emprego contínuo bastava ser pontual, sorrir volta e meia. E principalmente fazer meu trabalho sozinho.
Subi pelas escadas que me levavam ao alto do farol. Todos os dias contava quantos degraus pisava. E obviamente aquele dia não fora diferente:
-450.
Por que diabos não tinha um elevador? Se o ser humano é capaz de construir tantas coisas, nossa tecnologia desperdiçava-se em coisas tão banais como teleporte, transmissão de dados super-rápidas e outras porcarias que não tinham tanta utilidade para a maioria das pessoas que não podiam pagar por elas.
Seria tão dificil assim ter um elevador?
Quando terminei de bater o ponto, eu o vi pela primeira vez. Seu rosto era senil no auge dos dezoito anos, a juventude mesclava-se com a velhicie tornando-o um ser no minimo digno de minha curiosidade.
Não o cumprimentei, e nem ele. Passamos um pelo outro como se fossemos dois fantasmas, ou dois operários que erámos em uma fábrica de produção em massa, rôbos. Ou mortos-vivos se preferir assim.
Alguns minutos depois disso ele voltou. Havia esquecido de bater o ponto, e como nenhuma hora-extra era paga, não fazia sentido prolongar o ponto.
-Senhor, onde é a máquina ponto? - Sua voz era baixinha e grave. Eu mal escutei.
Apenas apontei, e ele bateu o tal ponto.
Saiu da mesma forma que entrou. Silencioso.
Fiquei aquela noite imaginando o quê um jovem fazia trabalhando para a W.R vigilância.
Eu me perguntava porque eu fazia isso também, por longos anos fazia todo dia essa pergunta.
Toda noite eu ia para o farol, sentava ou lia algum livro. Livros de verdade, não o que estes jovens de hoje fazem com seus malditos computadores de pulso wireless. Lendo livros como se estivessem vendo as horas. Eu sempre preferi os de papel. Mais raros e caros, porém bem mais prazerosos. Acendia volta e meia um cigarro, era tão díficil encontra-los naquela época. A propaganda anti-tabagismo pareceu ter feito efeito no começo do século, mas não durou mais que vinte anos. Por vinte longos anos, o que se traficava na rua? Tabaco. Juro que se eu soubesse disso quando fosse jovem ia achar a piada mais hipócrita de todos tempos.
Nada de especial ocorreu aquela noite. A mesma merda se sempre:
Turno, vigilia, leitura, cigarro, ponto, casa, dormir.
Pelo menos não comigo. O dia acabou para mim. Fui para a casa aquele dia. Foi apenas o primeiro.

Um comentário:

Rafael disse...

Agradecimentos ao Valim, o papo de hoje me inspirou. hahahahaa