quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O veterano

I.
Eu era criança, caminhava para lá e para cá com minha cabeça grande e gorda. Era mais um dia. Fica ali balançado minhas coxas grossas, sentado ao chão enquanto esperava minha mãe. E por lá fiquei por mais de seis dias, ela nunca voltou. A fome começou a corroer minha barriga que de enorme começa a dar sinais de emagrecimento e minha cabeça ia crescendo mais e mais. Pensava todos dias nela aonde ela fora, o que diabos eu tinha feito.Será que eu era uma criança insuportável? Eu era um guri quieto sabe? Daqueles que ficavam ali catatônicos com um livro na mão. Nunca respondi a ela, sequer repetia os plavavrôes que ela bradava a vizinhança ouvir. Aquela senhora gorda com o rosto avermelhado e cabelos loiros, gritava.Era a minha mãe. Ainda é levando em consideração que mesmo morta ela que me gerou. A noite está quente, fico nostálgico. Onde ela foi aquele dia? Onde eu fui também pois tenho certeza de que não sou mais aquele menino gordo e cabeçudo. Acendo um cigarro tentando esquecer, e de lá até aqui nada mudou com exceção das minhas rugas, minha palidez e minha atual magreza. Toca Bach, pego uma garrafa de vinho.

II.

A manhã resplandece no meu quarto com o peso de bombas nucleares, seria Hiroshima meu quarto? A janela ficou aberta e a luz desenha um vulto feminino nas minhas no meu lençol todo furado. O primeiro impulso que tenho é acender um cigarro, mas é impossível fazer isso devido a dificuldade que tenho para me locomover. Não consigo pensar em algo diferente de mulheres dançando nuas, bebida e um punhado de verdinhas no meu bolso. Há quem diga que só sentimos falta do que não temos. E é exatamente isso que me falta. Não para me fazer feliz, mas para tapar estes buraquinhos dentro do meu peito.
Meu corpo moribundo já sente o peso da idade, lembro que já não sou mais criança e minha mãe assim como a maioria das mulheres que tive me abandonaram. Logo, precisava de uma saída útil hoje a noite. Primeiro preciso sair da cama.


III.

Algumas horas se passaram desde que consegui sentar na cama, agora sentando fica mais fácil acender um cigarro e pensar na vida. Já não trabalho há 10 anos o pouco de comida e dinheiro que tenho consigo através de uns amigos que tenho, aqueles que consegui quando estive na guerra. Essa é a merda de país que vivo, não reconhece seus maiores heróis. Ficam com aquele discursinho de que o povo isso, o povo aquilo. Mas herói não é o merda que esteve no front e morreu. Herói e aquele que carregou os cadáveres daqueles inúteis para que suas famílias pudessem chorar. E esses mesmos desprezam aqueles que carregaram os presuntos. "Ele poderia estar vivo se tu não fosse preguiçoso." É sou mesmo e daí? Por isso não levanto minha bunda da cama. E fico aqui pensando em merdas quase que todo o tempo. E de fato é bem melhor que viver neste mundinho hipócrita corporativista. Quem vou enganar, não dou a mínima eles que se fodam, assim como minha mãe e estas vagabundas. O tempo anda devagar.

IV.
Com o rair da lua esboço uma tentativa de sair da minha humilde casinha e me dirigir até o bar ou puteiro mais próximo. Tanto faz, a diferença entre sexo e bebida? E que no sexo temos que aguentar outra pessoa para poder desfrutar de algum prazer, já a bebida, só um basta. E mesmo assim, nem sempre é suficiente. Hoje faço sessenta e seis anos. Grande merda. Herói de guerra, filho abandonado, fracassado bêbado! O que a vida reserva para velhos que nem eu? Nem uma morte digna posso ter. Estranho que quando vou para a janela a moça do apartamente da frente vive se insinuando. Ela só pode ser pinel, não por eu ser velho. Mas pelo fato de que pareço um cadáver ambulante, orelhas enormes e nenhum dente na boca. Aposto que ela acha que vai me seduzir e quando eu chegar perto ela vai dizer não e assim enaltecendo o poder de conquista dela. Ah, elas poucos sabem que eu não caio nessas. Sou Eric Jurgens, veterano de guerra e problema social. Aquela moça não irá prevalecer.
Pego minha garrafa de Vodka.

V.

Sento na calçada para ver o que meu aniversário reserva. A vodka cai na minha boca, escorre até meu estomâgo sem nenhuma ardência. Vodkas baratas são as melhores. Elas tem um perfume de ânis e gosto de álcool barato. Melhor que perfume barato. Melhor que putas baratas. Ela está se aproximando. Uma mocinha uns vinte e poucos anos. O cabelo escuro dela se misturava com a noite. Ela exalava devassidão. Eu exalava a bebida barata e cigarros de palha. De qualquer forma ela vem sorrindo.

VI.
_Oi - Diz ela.
Não consigo reagir. Poderia dizer qualquer coisa. Mas nenhuma palavra veio à cabeça. Prefiro seguir bebendo.
_O senhor é mudo? - Disse sorrindo.
_Não.
_Ah, posso beber contigo? - Ela dá gargalhadas, nunca tinha visto dentes tão brancos.
_Não... Ah, quer dizer... Pode.
_Tá, vou te propor algo...
_Mal posso esperar...
_Posso ver sua casa.
_Não!
_Ah, deixa...Eu mostro meus peitos pro senhor.
_Certo. Mas tem que deixar eu tocar.
_Ah, tudo bem - Respondia a mocinha.

_____

VII.
Eles entraram...



Ela foi entrando, e ao passo que caminhava as peças de roupa caíam ao chão. Ele vislumbrava o corpo jovial da menina-mulher. Sua vida passava pelos olhos. Seis dias de espera, sessenta e seis anos. Os olhos cansado tornaram-se vermelho-fúria. A janela aberta... E os gritos.
No outro dia o jornal estampava a manchete:

Veterano de guerra assassina jovem a pauladas.

Nenhum comentário: